SOCIEDADE &
JUSTIÇA
Liberdade de expressão, a definição constitucional
Por Rogério Faria Tavares em 26/01/2010 na edição
574
Em uma sociedade em que vige o Estado de direito, a definição
constitucional de liberdade de expressão é melhor compreendida se lida à luz do
Título I (artigos 1º ao 4º) da Constituição de 1988, que define os
"princípios fundamentais" da República Federativa do Brasil. Entre os
fundamentos republicanos (artigo 1º), encontram-se a cidadania (inciso I), a
dignidade da pessoa humana (inciso III) e o pluralismo político (inciso V); já
entre os objetivos fundamentais da República (artigo 3º), estão "construir
uma sociedade livre, justa e solidária" (inciso I) e "promover o bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação"(inciso IV).
Obviamente, qualquer conduta que viole os fundamentos da República e os
seus objetivos é inconstitucional e deve ser combatida.
Segurança nacional
A liberdade de expressão está garantida pelo texto constitucional
brasileiro em seu artigo quinto, que abre o Capítulo I ("Dos Direitos e
Deveres Individuais e Coletivos") do Título II da Carta Magna, intitulado
"Dos Direitos e Garantias Fundamentais". Aí estão reunidos, em
diferentes incisos, os pontos mais relevantes para a necessária compreensão do
seu conteúdo. Abaixo, alguns deles:
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX- é livre a expressão de atividade intelectual, artística, científica
e de comunicação, independente de censura ou licença;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;
XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e
liberdades fundamentais.
Reza o parágrafo segundo do mesmo artigo quinto:
Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Inspirado por tal parágrafo, um rico complemento à definição
constitucional de "liberdade de expressão" pode ser dado pelo
"Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos", adotado em
resolução pela XXI Sessão da Assembléia Geral da ONU, em 16 de dezembro de 1966
e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, após ser aprovado pelo
Congresso Nacional em decreto legislativo de 12 de dezembro de 1991.
Vale lembrar que, de acordo com o
artigo quarto da Carta Magna, o Brasil rege-se nas suas relações
internacionais, entre outros princípios, pela prevalência dos direitos humanos
(inciso II), e que os tratados de direitos humanos são incorporados em
grande estilo ao ordenamento jurídico brasileiro (para uma análise específica
sobre esse tema, é útil consultar o parágrafo terceiro do artigo quinto da
Carta de 88, além da doutrina e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal).
Dispõe o artigo 19 do referido Pacto:
1. Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.
2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito
incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de
qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras,
verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou qualquer outro
meio de sua escolha.
3. O exercício do direito previsto no § 2º do presente artigo implicará
deveres e responsabilidades especiais. Conseqüentemente, poderá estar sujeito a
certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e
que se façam necessárias para:
a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;
b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral pública.
Bastante semelhante ao artigo 19 é o artigo 13 da Convenção Americana de
Direitos Humanos, o chamado "Protocolo de São José da Costa Rica".
Aprovada pelo decreto legislativo n. 27/92, a carta de adesão do Brasil à
Convenção foi depositada em 25 de setembro de 1992. A promulgação da Convenção
se deu pelo decreto presidencial n. 678, de 6 de novembro de 1992. O documento
foi adotado no âmbito da Organização dos Estados Americanos, a OEA, em 22 de
novembro de 1969, e entrou em vigor em 18 de julho de 1978, após receber o
número necessário de ratificações. Dispõem os incisos I e II do artigo 13:
1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão.
Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e
idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou
por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua
escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar
sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser
expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar:
a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da
moral públicas.
Fora do contexto
A breve leitura de tais dispositivos é suficiente para as seguintes
conclusões:
** A Constituição baniu o
anonimato e a censura. Não há qualquer abrigo para esses dois comportamentos
sob o manto do ordenamento jurídico brasileiro.
** A liberdade de expressão
pertence à numerosa família dos direitos e liberdades fundamentais, todos
igualmente importantes. Estando entre eles, ela recebeu da Carta Magna idêntica
proteção àquela outorgada aos demais, entre os quais, no inciso X, se destacam
a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, consideradas
invioláveis.
** Na extensa constelação desses
direitos, não há um que prevaleça sobre outro, já que não estão ligados por
vínculos hierárquicos. Juntos, devem compor conjunto harmonioso, equilibrado,
resultado da ponderação dos múltiplos interesses que caracterizam uma sociedade
democrática e pluralista.
** O cidadão que, no ato de
expressar-se, violar a integridade de qualquer outro membro do referido elenco
de direitos, não está resguardado por qualquer garantia constitucional: incorre
em flagrante desrespeito à Carta de 88 e deve sofrer as conseqüências
correspondentes.
** A liberdade de expressão deve
exercer-se segundo os já mencionados parâmetros dados pela Constituição,
documento a ser compreendido de forma sistêmica. Tais parâmetros não foram
criados para destruí-la, desfigurá-la ou limitá-la: tais parâmetros definem o
seu conteúdo jurídico e configuram a sua existência legal.
** Fora desses parâmetros, o que
alguns chamam de "liberdade de expressão" simplesmente não ingressa
no mundo do Direito Constitucional. Transforma-se, muito provavelmente, em
conduta tipificada pelo Direito Penal. Quando o ato de expressar-se se dá fora
do contexto jurídico apropriado, sua qualificação é outra: "abuso,"
"infração" ou "crime".
***
Advogado, jornalista, mestre em Direito Internacional (UFMG) e
doutorando em Direito Internacional pela Universidade Autônoma de Madri
Fonte: observatório da imprensa Sociedade & Justiça.
PASSE ADIANTE, POIS TEMOS PLENO DIREITO AO PENSAMENTO E A ESCRITA, E PRINCIPALMENTE A OPINIÃO PRÓPRIA.
TÚLIO BEIRINHA.
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