Como artista que sou não posso deixar de comentar aqui sobre a seleção brasileira de 1982. Futebol é apenas um esporte? Claro, mas pode ser mais do que isso, e se pode, por que não ser? Quando um compositor escreve uma música, ela também é apenas uma música, mas pode ser mais do que isso, pode ser arte! Com uma música em compasso 3/4, tonalidade de dó maior e utilizando-se apenas das teclas brancas do piano, Henry Mancini compôs sua obra prima Moon River. Seguindo o mesmo conceito de simplicidade, cito ainda John Williams, com as famosas cinco notas de Contatos Imediatos do Terceiro Grau. Ou ainda, Nino Rota com sua simplicidade circense nas trilhas para Fellini.
O que vimos na copa de 1982 foi uma seleção que jogava simples, e cuja tática, que alguns dizem que era falha por não ser muito organizada na defesa, era justamente a arte, e arte, para emocionar, não deve ser mesmo muito certinha. Era o futebol genuinamente brasileiro, aquele que é jogado nas ruas, nas praias, sacana, ao ritmo do samba, que confunde o adversário pela irresponsabilidade. Era a nossa diversão, a nossa maneira de ser, a cultura brasileira sendo apresentada ao mundo.Tínhamos craques em todas as posições. Assim como nas peladas a gente escala e organiza o time na hora do jogo, e todos sabem o que deve ser feito naquela posição em que foi colocado, a seleção de 82 conhecia o futebol em sua totalidade. Não é preciso dizer a um peladeiro o que ele deve fazer ao ser escalado de lateral direito. Na maioria dos jogos de rua todos querem jogar na linha, e acontece o famoso revezamento no gol, ou seja, cada um joga no gol até que tome o gol, depois revezamos. E todos sabem o que faz o goleiro! O futebol, como a arte, é simples!
Citei alguns compositores do cinema e suas músicas famosas para traçar aqui um paralelo com o futebol. Muito se ouve sobre futebol arte, mas ninguém ainda explicou exatamente o que seria isso. Eu, como músico, explico. Futebol arte é aquele futebol fluente, intuitivo. Um pianista não deve parar para pensar na próxima nota, pois assim ele erra. A próxima nota sai de sua origem mais profunda, sua essência, não é resultado de raciocínio.
Quando Zico tocava para Sócrates, ele não pensava, ele simplesmente tocava. Quando Éder via o goleiro adiantado, seus pés jogavam a bola por cima dele em uma fração de segundo, como se fosse a próxima nota a ser tocada. Cerezo passou por de trás de Falcão e levou, como num balé, três adversários italianos, deixando espaço livre para o Rei de Roma bater no gol, e isso é arte, pois arte também é movimento. Uma execução musical sem dinâmica dá sono. Deve haver Piano e Forte em toda apresentação musical, assim como em um campo de futebol. Existe a hora de forçar o gol e a hora de se retrair para se defender; existe a hora de tocar de lado para cadenciar o jogo e a hora de lançar em profundidade para atacar o adversário veementemente.
Mas nada disso deve ser pensado friamente, pois assim pode ser eficiente, mas não será arte. Tudo deve ser natural e simples como notas Morriconianas saídas da eternidade para o agora, sem precisar forçar o caminho. Por mais que se queira, o brasileiro não sabe ser frio simplesmente porque ele não é frio, então deixemos o nosso futebol expressar a nossa essência, que é a mesma de um artista, que por muitas vezes não sabe explicar sua música, mas sabe fazê-la como ninguém.
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TÚLIO BEIRINHA...
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